RENATO REZENDE | ||
Praça Tiradentes – do Império às origens da cultura popular
O mais simples a fazer para apresentar o livro Praça Tiradentes – do Império às origens da cultura popular (2003) é reproduzir aqui sua curta introdução: O espírito do lugar O historiador e urbanista italiano Aldo Rossi, em seu L’Architettura della città, posiciona-se contra o racionalismo que havia guiado a arquitetura modernista e afirma que a identidade de uma cidade – ou de bairros de uma cidade – encontra-se em sua própria história, ancorada em elementos arquetípicos presentes desde sua fundação. Ou seja, para Rossi, a cidade é uma entidade viva, que respira e que pode, se permitirmos, crescer de forma orgânica: nada precisa ser inventado, pois tudo já está lá, na história do lugar, no que ele chama de genius loci, ou, na nossa interpretação livre, o “espírito do lugar”. A praça Tiradentes: Do Império à cultura popular apropria-se livremente do conceito de Rossi para ludicamente apresentar a praça Tiradentes, que sempre foi, através de sua história, um local de convívio democrático e plural, como uma espécie de berço de uma brasilidade essencialmente marginal – no sentido etimológico de estar à margem – artística e ambígua, cheia de contradições; e também palco de importantes cenas da história brasileira, enquanto, nos seus palcos de fato, ela processava a elaboração de uma identidade nacional por meio do teatro de revista. Que espécie de espírito acolheria – sobre um pântano – primeiramente negros de culto sincrético, depois ciganos, mais tarde atores, escritores, atrizes, prostitutas, músicos, imperadores, aristocratas, burgueses, boêmios, escravos... sendo que muitos de seus personagens usavam mais de um chapéu... Mas, afinal, o que pensar de uma praça que se chama Tiradentes – o mártir da inconfidência nacional contra o poder da metrópole portuguesa – e leva em seu centro a triunfante estátua eqüestre de um imperador? E que imperador é esse, que foi sagrado Defensor Perpétuo do Brasil numa cerimônia solene, incompatível com os princípios da monarquia constitucional, não-absolutista, que ele mesmo defendia, na catedral do Santíssimo Sacramento? Contradições e ambigüidades como essas caracterizam a nossa história e a história da própria praça Tiradentes: a praça onde nasceu o teatro nacional e, segundo alguns estudiosos, a própria música popular urbana, além do teatro de costumes brasileiríssimo que ainda sobrevive em nossos programas humorísticos de TV, cinema e palcos, metaforiza o teatro da nossa própria história enquanto nação, com cenários e atores de fazer inveja às melhores revistas de Artur Azevedo. |
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